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Foi divulgada hoje, 5 de junho de 2024, decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)[1] que determinou a alteração do Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ – Foro Extrajudicial, para exigir escritura pública quando da constituição de alienação fiduciária de imóveis em negócio que não envolva diretamente entidades autorizadas a operar no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI)[2]. Em razão dessa decisão, a nosso ver, equivocada, grande parte dos contratos de alienação fiduciária de imóveis celebrados no âmbito de operações de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) deverão passar a ser celebrados por meio de escrituras públicas, o que trará custos e burocracia adicionais a essas operações e poderá impactar fontes de financiamento do mercado imobiliário.
A recente decisão do CNJ dispõe que a permissão prevista no art. 38 da Lei nº 9.514/1997, para a formalização de alienação fiduciária em garantia sobre imóveis por meio de instrumento particular com efeitos de escritura pública, é restrita a entidades autorizadas a operar no âmbito do SFI.
Esse entendimento já vigorava no Estado de Minas Gerais[3] e em alguns outros Estados[4]. Apesar de já ter sido validado pelo CNJ no passado[5], esse entendimento ainda não era adotado na maioria dos demais Estados da federação. O processo que originou a recente decisão questionava a divergência de posicionamentos e ausência de uma regra de aplicação nacional.
Os efeitos de tal decisão impactam diretamente determinadas operações de CRI com garantia de alienação fiduciária de imóveis, que não tenham como lastro um crédito bancarizado[6]. Assim, operações de CRI com lastro em debêntures ou notas comerciais, cujo contrato de alienação fiduciária de imóveis é celebrado exclusivamente entre o proprietário do imóvel (fiduciante) e a companhia securitizadora (credor fiduciário) – a qual não se enquadra como ente integrante do SFI – deverão considerar a lavratura de uma escritura pública para a constituição dessa garantia.
A nosso ver, a interpretação do artigo 38 da Lei nº 9.514/1997 trazida pela nova decisão é equivocada e cria custos adicionais para essas operações, além de adicionar um nível extra de burocracia. O referido artigo prevê que os “atos e contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição (…) de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados (…) por instrumento particular com efeitos de escritura pública”[7].
Os CRI foram criados pela própria Lei nº 9.514/1997. Logo, a emissão de CRI, assim como a constituição de garantia de alienação fiduciária de imóvel no âmbito de uma operação de CRI, são essencialmente atos resultantes da aplicação da Lei nº 9.514/1997.
A recente decisão se baseia na ideia de que a exigência de uma escritura pública confere maior “segurança jurídica” e “proteção dos cidadãos, especialmente os hipossuficientes”, evitando fraudes e impedindo a “ocorrência de defeitos ou vícios na formação jurídica da vontade das partes”.
No entanto, parece não considerar que construtoras e incorporadoras utilizam o mercado de capitais, notadamente as operações de CRI, com garantia de alienação fiduciária de imóveis, como uma de suas principais fontes de financiamento. Um efeito colateral esperado dessa medida, em última análise, será o impacto custo do crédito para o mercado imobiliário.
[1] Pedido de Providências nº 0008242-69.2023.2.00.0000.
[2] Conforme art. 2º da Lei nº 9.514/1997, as entidades autorizadas a operar no âmbito do SFI são “as caixas econômicas, os bancos comerciais, os bancos de investimento, os bancos com carteira de crédito imobiliário, as sociedades de crédito imobiliário, as associações de poupança e empréstimo, as companhias hipotecárias e, a critério do Conselho Monetário Nacional – CMN, outras entidades.”
[3] Conforme Provimento do E. TJMG nº 93/2020.
[4] Pará, Maranhão, Paraíba e Bahia.
[5] Procedimento de Controle Administrativo nº 0000145-56.2018.2.00.0000).
[6] Como, por exemplo, uma Cédula de Crédito Bancário (CCB) ou um contrato de financiamento imobiliário, celebrado entre o devedor e uma entidade autorizada a operar no âmbito do SFI.
[7] “Art. 38. Os atos e contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública.” (Redação dada pela Lei nº 11.076, de 2004)