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No dia 20/08, foi aprovada pelo Plenário do Senado Federal a nova redação do PL 1847/2024, originalmente proposto para a prorrogação do prazo da desoneração da folha de pagamento e detalhamento das novas regras de transição. Porém, a nova redação final do projeto substitutivo resultou uma colcha de retalhos dos mais diversos assuntos tributários e administrativos, pela inclusão de temas completamente distantes daquele objetivo (comumente chamados de “jabutis”, no jargão do Congresso).
A respeito do planejamento patrimonial e sucessório, destacamos 2 (dois) assuntos de suma importância, que foram enxertados na tramitação do referido projeto.
1. Atualização dos Bens Imóveis
Está prevista, para as pessoas físicas residentes no País, a faculdade de atualizar o valor de seus bens imóveis devidamente informados na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda (DAA-IRPF).
A diferença, entre o custo originalmente informado na DAA-IRPF e o valor de mercado atribuído pelo contribuinte, será calculada e tributada pelo IRPF sob a alíquota definitiva de 4% (quatro por cento).
A ideia geral é simples: o contribuinte adianta aos cofres públicos o tributo sobre o ganho de capital, que somente seria incidente na alienação do imóvel, em troca do benefício de uma alíquota menor (em situações normais, o ganho seria tributado pela alíquota progressiva de 15% a 22,5%).
A oferta parece excessivamente vantajosa; contudo, no mesmo capítulo da Lei no qual o benefício é concedido, o legislador restringe de tal modo a sua aplicabilidade que o tornou praticamente ineficaz.
Isso ocorre porque, para usufruir da alíquota definitiva de 4% (quatro por cento) sobre o ganho, o contribuinte deve manter a propriedade do bem atualizado pelos próximos 15 (quinze) anos!!.
Caso ocorra a alienação antes deste período, apenas uma porcentagem do valor da atualização irá compor o custo de aquisição para cálculo do novo ganho de capital. A porcentagem é calculada de forma proporcional ao tempo de permanência do Imóvel como de propriedade do contribuinte, desde a data atualização.
Vale mencionar que, na hipótese de a alienação ocorrer antes de 3 (três) anos da data da atualização, o contribuinte não poderá se valer do novo custo para reduzir o ganho auferido, de modo que o efeito prático imediato dessa atualização será praticamente nulo, ao menos nos termos da redação que agora seguirá para apreciação da Câmara dos Deputados.
A faculdade da atualização dos bens também é concedida às pessoas jurídicas, que tributarão o ganho pelo IRPJ de 6% (seis por cento) e CSLL de 4% (quatro por cento) totalizando 10% (dez por cento).
Conclui-se que as expectativas do contribuinte com relação às possibilidades de atualização foram em geral frustradas e, caso a redação seja mantida conforme apresentada, será interessante somente para imóveis cujo ganho é exacerbado, de modo que onda de adesão não deve ser relevante para a expectativa arrecadatória do Governo.
2. Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT)
A possibilidade de adesão ao RERCT retorna na sua terceira edição. O regime é um programa para a declaração voluntária dos bens e direitos de origem lícita, que não foram declarados ou contêm omissão ou incorreção em relação a dados essenciais, mantidos no Brasil ou no exterior.
Diferentemente dos RERCT anteriores, de 2016 e de 2018, o RERCT 2024, chamado pelo legislador de RERCT-GERAL, possibilita a também a regularização de bens localizados no Brasil, não declarados ou declarados com omissões ou incorreções, o que poderá expandir exponencialmente seu alcance e propiciar oportunidade de regularização de ativos das mais diversas naturezas.
Os bens regularizados estarão sujeitos à tributação sob a alíquota de 15% (quinze por cento), acrescido de multa de 100% (cem por cento) do imposto devido. Os valores do exterior serão convertidos para Reais mediante a utilização da PTAX de 29/12/2023, qual seja, 4,8413. Para a adesão serão aplicados alguns dos procedimentos constantes da Lei 13.254 de 2016, devidamente ajustados pelo PL.
Cumpre destacar que a Lei 13.254/2016 vedava expressamente a adesão ao RERCT por “aos detentores de cargos, empregos e funções públicas de direção ou eletivas, nem ao respectivo cônjuge e aos parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, na data de publicação desta Lei”. Mencionada vedação foi, inclusive, objeto de questionamento judicial por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 5586), julgada improcedente no final de 2023 pelo STF, que defendeu e garantiu a constitucionalidade da exclusão.
De modo bastante oportuno, o texto aprovado pelo Senado não inclui restrições à adesão e permite, ainda, a possibilidade de complementação da declaração realizada nos RERCT anteriores, remendando, desta forma, uma solução para os políticos e seus familiares.
Estamos, portanto, diante de uma das mais escandalosas e disfarçadas criações de benesses no interesse próprio dos políticos, abrindo discretamente a possibilidade de regularização de seus ativos frios, inclusive aqueles mantidos aqui no Brasil em nome de terceiros, paredes falsas, sacolas e malas, com a simples exclusão da aplicabilidade do artigo 11 da Lei 13.254/16 (RECRT original), que vedava, por óbvias e republicanas razões, a utilização dessa benesse pelos políticos e seus familiares.
O legislador reiterou que o ônus da prova com relação à origem ilícita dos bens caberá ao Fisco, que não poderá instaurar fiscalização ou solicitar a apresentação de documentos ao contribuinte com base nas informações do RERCT, sendo necessário demonstrar a existência de outros indícios que justifiquem a fiscalização.
O PL 1847/2024 ainda precisa ser aprovado na Câmara e seguir para a sanção presidencial, de modo que não podemos afastar a possibilidade de alterações no texto ou de inclusões de outros jabutis nesse amálgama de assuntos diversos.