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Há alguns dias foi aprovada a chamada primeira fase da reforma tributária (PEC¹ 45/2019) pela Câmara dos Deputados, com os devidos festejos políticos e ampla divulgação pela imprensa, gerando acalorados debates e conclusões, como se fosse algo definitivo, claro e já integralmente regulamentado.
A realidade, porém, é um pouco diferente e procuraremos aqui resumir o que já é fato e o que são meras especulações, projeções e esperanças. Nosso atual emaranhado tributário, especialmente nessa parte de consumo, como já bem definido, é um absoluto hospício, onde temos 26 normas estaduais de ICMS e 5.568 normas municipais para o ISS, além das regras federais de PIS e Cofins.
A mudança proposta não nos conduzirá à normalidade, recebendo alta médica, mas ao menos permitirá retirar a camisa-de-força e passar a tratar o paciente com remédios tarja preta, gerando alguma esperança de progressiva melhora no horizonte mais longo. Não é muito, mas é um importante passo, tirando-nos do exotismo e da singularidade inóspita.
Em termos de tramitação no Congresso, a proposta de emenda constitucional foi aprovada apenas na Câmara dos Deputados e o texto será encaminhado ao Senado Federal, onde também precisará ser aprovado (retornando à Câmara, caso haja alterações, o que é altamente provável), para só então ser promulgado e efetivamente gerar as alterações na Constituição Federal.
Como diz o próprio nome, a proposta altera apenas as normas constitucionais tributárias, que não são autoexecutáveis, sendo necessárias as subsequentes regulamentações por meio de leis complementares e/ou leis ordinárias, tanto na esfera federal, como nas esferas estaduais e municipais, até que as mudanças se tornem efetivamente aplicáveis na vida real e prática das empresas e pessoas. Há um longo e acidentado caminho à frente, portanto, como se pode imaginar desse descritivo, sendo muitíssimo pretensiosa e falaciosa a forma definitiva e clara que a imprensa e os experts apressadinhos se assanharam a alardear nesses últimos dias.
O objetivo declarado dessa primeira fase da Reforma Tributária é a simplificação do sistema tributário, especialmente em relação à tributação sobre o consumo, sendo a principal mudança a unificação dos cinco tributos atuais (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por um tipo de IVA ou VAT (nas terminologias utilizadas noutros países que adotam essa lógica), que será dividido em duas partes: (i) Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) que englobará o ICMS e o ISS e cuja receita será partilhada entre estados e municípios, e (ii) Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) que substituirá o PIS, PIS-Importação, IPI, Cofins e a Cofins-Importação, destinada à União Federal.
O IBS, no entanto, continuará tendo suas alíquotas finais definidas pelos estados e municípios, de modo que a insanidade de cálculos continuará ocorrendo, ainda que nos livremos das infinitas e múltiplas legislações e normas que infestam o sistema atual. Mas só daqui a 10 anos, vale lembrar!
Mas a “simplificação” não parou por aí, prevendo a criação de um novo tributo, o Imposto Seletivo que incidirá sobre produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Nos arranjos de última hora, ainda foi prevista a possibilidade de os Estados criarem contribuição sobre produtos primários e semielaborados produzidos em seus territórios.
Como dito acima, a mudança em trâmite é apenas das normas constitucionais, de modo que a efetiva definição das alíquotas que serão aplicadas nesses novos tributos somente será conhecida quando forem aprovadas as leis complementares e ordinárias, sendo, aqui também, mera especulação os cálculos e previsões de valores e impactos nos preços.
Além da mudança da espinha dorsal dos tributos sobre consumo, a PEC 45 teve incluídas, na sua redação final aprovada na Câmara, alterações constitucionais relativas ao ITCMD, incidente sobre doações e heranças, para prever sua progressividade obrigatória, destinação ao estado de domicílio em relação aos bens móveis, títulos e créditos, bem como criando imunidade para as doações e legados para as entidades filantrópicas.
As normas relativas ao IPVA também foram ajustadas para, enfim, estabelecer a incidência sobre aeronaves e embarcações, encerrando os inacreditáveis 35 anos de benesse para esses veículos.
O Simples Nacional e os benefícios da Zona Franca de Manaus serão mantidos.
Além das “complexas simplificações”, as negociações para aprovação acabaram mantendo ou criando inúmeras exceções e regras casuísticas, a fim de atender aos interesses setoriais e de segmentos econômicos e políticos das mais variadas estirpes, enfraquecendo sobremaneira o propósito de racionalização e eliminação de privilégios e benesses. Não é surpresa, afinal foram mais de 30 anos de tentativas de encaminhamento de reformas do sistema tributário e seria esperar muito que saísse algo realmente inovador e corajoso.
Se aprovada a Proposta de Emenda de forma definitiva, nos termos aprovados pela Câmara, a cobrança desses tributos será realizada no destino e não mais na origem e sua base de incidência será ampla, englobando bens materiais e imateriais, inclusive direitos e serviços, respeitando uma lógica central de compensação plena e irrestrita. O princípio é correto, mas a aceitação das inúmeras exceções, manutenção de benesses e isenções provavelmente acarretará numa alíquota básica bastante alta para aqueles produtos, serviços e setores não protegidos pela malha de interesses.
A pedido dos Estados, a CBS e o IBS serão implementados de forma conjunta, com processo de transição entre 2026 e 2032 (isso mesmo, daqui a longuíssimos 10 anos!!!, de modo que somente em 2033 é que se materializará por completo o cenário reformado, bastante diferente das certezas e imediatismos transmitidos nas notícias e debates apressadinhos). Em 2026, a CBS começará a ser cobrada a uma alíquota de 0,9%, e o IBS a um percentual de 0,1%. Em 2027, serão extintos o PIS e a Cofins e reduzidas a zero as alíquotas do IPI, com exceção dos produtos industrializados na Zona Franca de Manaus. Entre 2029 e 2032, as alíquotas do ICMS e do ISS serão reduzidas gradativamente (10% em cada ano), até a extinção dos impostos. Como disse Caetano Veloso: “ou não…”, porque é um prazo de transição demasiado excessivo para lidar com as intempéries políticas desse País.
Conforme a tramitação efetivamente ocorra e as regras se materializem, voltaremos a detalhar nossas observações.
Nossa equipe Tributária está à disposição para quaisquer esclarecimentos sobre o tema, sempre que quiserem!
¹ Proposta de Emenda Constitucional