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A Emenda Constitucional nº 132 de 2023 incluiu na Constituição Federal a regra-matriz de incidência tributária do Imposto sobre Bens e Serviços (“IBS”) e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (“CBS”) e deu início à denominada Reforma Tributária do Consumo.
O Projeto de Lei Complementar nº 68 de 2024, que regulamentará as normas gerais dos novos tributos, seus regimes específicos e a transição do sistema atual para o novo sistema tributário, foi aprovado pela Câmara dos Deputados e aguarda a apreciação, em regime de urgência, pelo Senado Federal.
A despeito da possibilidade de alteração da redação atual do PLP, haja vista as milhares de emendas apresentadas, preocupa-nos a abrangência da incidência da IBS e CBS, que incidirá sobre operações anteriormente não alcançadas pelas normas tributárias.
Um exemplo de operação que não era alcançada, é a operação de redução do capital social com entrega de bens. Trata-se da hipótese de devolução parcial do montante investido pelo sócio ou acionista, em decorrência da constatação do excesso de capital social (artigo 173 da Lei das S.A.). Essa devolução pode ocorrer com a entrega de recursos financeiros ou bens da empresa.
A atual redação do artigo 5º, inciso III, do PLP 68/24, determina a incidência do IBS e da CBS sobre as operações de “transmissões, pelo contribuinte, para sócio ou acionista que não seja contribuinte regular, por devolução de capital, dividendos in natura ou de outra forma, de bens cuja aquisição tenha permitido a apropriação de créditos pelo contribuinte”.
Da análise desse texto atual, conclui-se que a devolução de capital, mediante a entrega de bens aos sócios ou acionistas (pessoas físicas ou jurídicas não contribuintes), será uma operação sujeita à incidência do IBS e da CBS, caso esses bens tenham sido adquiridos ou produzidos com a apropriação de créditos.
Devido à amplitude da não cumulatividade na apuração do IBS e da CBS, a norma de incidência englobará, em outras palavras, todos os bens da sociedade ou companhia, com exceção apenas daqueles sobre os quais haja expressa vedação ao creditamento (bens considerados de uso e consumo pessoal, conforme disposto artigo 30 do PLP 68/24).
São bens considerados de uso e consumo pessoal, exceto quando necessários à realização das atividades da sociedade: I – joias, pedras e metais preciosos; II – obras de arte e antiguidades de valor histórico ou arqueológico; III – bebidas alcoólicas; IV – derivados do tabaco; V – armas e munições; e VI – bens e serviços recreativos, esportivos e estéticos.
Em interpretação sistemática da norma com o disposto no artigo 7º, inciso IV do PLP 68/24, é possível sustentar que os bens da empresa que tenham sido produzidos ou adquiridos em momento anterior à instituição efetiva do IBS e da CBS, isto é, sem o seu creditamento, estarão fora da incidência, caso utilizados na devolução do capital social aos sócios ou acionistas.
“Art. 7º O IBS e a CBS não incidem sobre:
(…)
IV – transmissão de bens em decorrência de fusão, cisão e incorporação e de integralização e devolução de capital, ressalvado o disposto no inciso III do caput do art. 5º desta Lei Complementar”.
Além disso, cumpre destacar que as demais operações societárias (fusão, cisão, incorporação e integralização de capital), permanecem, inequivocamente, fora da norma de incidência dos tributos (artigo 7º, inciso IV do PLP 68/24).
Embora todas as operações societárias sempre tenham sido pautadas pela neutralidade fiscal, aparentemente essa neutralidade será rompida nas operações de devolução do capital, pela redação atual do projeto de regulamentação do IBS e da CBS. Importante ressaltar que o avanço da tributação sobre essas operações de natureza meramente societárias ocasiona um desincentivo à livre iniciativa, afrontando o princípio de simplificação, que sempre foi um dos nortes definidos para essa Reforma.
Aparentemente a proposição decorre da vontade do fisco no sentido de fechar a brecha de alguns planejamentos tributários, mas certamente faz surgir um remédio em dose errada, que pode se tornar venenoso.
Stephanie Thealler, advogada sênior da Equipe de Tributário do escritório.