Até 2010, o entendimento jurisprudencial do STJ defendia a impossibilidade de dedução dos materiais empregados nas obras da base de cálculo do ISS, pois pertenciam ao preço total dos serviços prestados nos subitens 7.02 e 7.05.
Ao apreciar o Tema 247 (RE nº 603.497), a Ministra Relatora Ellen Gracie concluiu (em decisão monocrática) que houve a recepção do artigo 9º, §2º, alínea “a” do Decreto-Lei nº 406 de 1968, pela Constituição Federal (correspondente ao artigo 7º, §2º, inciso I da Lei Complementar nº 116 de 2003), o que autorizava que as empresas deduzissem da base de cálculo do ISS os valores dos materiais utilizados nos serviços.
Decreto-Lei nº 406/68
Art. 9º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço. (…) § 2º Na prestação dos serviços a que se referem os itens 19 e 20 da lista anexa o imposto será calculado sobre o preço deduzido das parcelas correspondentes: a) ao valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços; b) ao valor das subempreitadas já tributadas pelo imposto.
Lei Complementar nº 116/03
Art. 7o A base de cálculo do imposto é o preço do serviço. (…) § 2o Não se incluem na base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza: I – o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa a esta Lei Complementar.
Com isso, a partir do julgamento do Tema 247 realizado pelo STF, houve a uma aparente mudança na interpretação (até então extremamente desfavorável) do STJ, de modo que foi pacificado o entendimento jurisprudencial da ampla dedutibilidade dos materiais empregados na obra da base de cálculo do ISS dos serviços descritos nos itens 7.02 e 7.05 da Lei Complementar nº 116/03, tanto em relação aos materiais produzidos pelo prestador como aos materiais adquiridos de terceiros.
Em 29 de junho de 2020, em continuidade ao julgamento do Tema 247, foi proferida decisão colegiada de provimento ao agravo interno do Município de Betim, na qual foi reiterado que o STF não teria estabelecido o alcance da dedutibilidade dos materiais da base de cálculo do ISS, matéria essa que seria de competência do STJ, apenas a validade constitucional do dispositivo constante no Decreto-Lei nº 406/68.
Ocorre que, em 2023, a discussão sobre a delimitação dos materiais dedutíveis foi reacendida. Em 18 de abril de 2023 foi publicado pelo STJ o acórdão do Recurso Especial nº 1.916.376/RS (2021/0011137-9) que realinhou o entendimento jurisprudencial sobre o tema, no sentido de que seria possível adotar uma interpretação restritiva acerca da dedutibilidade dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços descritos nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03.
Segundo o entendimento da Corte Superior, a dedução das mercadorias da base de cálculo do ISS (artigo 7º, §2º, inciso I da Lei Complementar nº 116/03) somente é aplicável às hipóteses em que as mercadorias: (i) tenham sido produzidas pelo prestador dos serviços fora do local da obra e; (ii) por ele comercializadas em operação sujeita à incidência do ICMS.
Esse novo posicionamento trouxe uma verdadeira reviravolta na jurisprudência da Corte Superior, tendo sido ratificado recentemente no julgamento do AREsp 2.486.358 (2023/0333070-2). Não obstante o posicionamento da 1ª e 2ª Turma do STJ, até o presente momento não foram atribuídos efeitos vinculantes aos julgamentos que versam sobre a discussão.
Apesar da ausência de recursos repetitivos no STJ, a Secretaria de Finanças do Município de São Paulo publicou o Parecer Normativo SF nº 3 de dezembro de 2023, que impõe aos Contribuintes a referida interpretação restritiva à aplicação da hipótese de dedução dos materiais da base de cálculo do ISS, adotando como fundamento as “reiteradas decisões” que se sucederam após o julgamento final do Tema 247.
Lei 13.701/03
Art. 14 – A base de cálculo do Imposto é o preço do serviço, como tal considerada a receita bruta a ele correspondente, sem nenhuma dedução, excetuados os descontos ou abatimentos concedidos independentemente de qualquer condição.
(…) § 7º – Quando forem prestados os serviços descritos nos subitens 7.02, 7.04, 7.05 e 7.15 da lista do “caput” do art. 1º, o imposto será calculado sobre o preço do serviço deduzido das parcelas correspondentes:
I – ao valor dos materiais incorporados ao imóvel, fornecidos pelo prestador de serviços;
II – ao valor das subempreitadas já tributadas referentes aos serviços descritos nos subitens 7.02, 7.04, 7.05 e 7.15, todos da lista do “caput” do art. 1º, exceto quando os serviços referentes às subempreitadas forem prestados por profissional autônomo.
A despeito da publicação do entendimento interpretativo da Secretaria de Finanças do Município de São Paulo, importante notar que não houve qualquer alteração na legislação municipal que disciplina o ISS (artigo 14, §7º da Lei nº 13.701/03), onde há previsão expressa da dedução, de modo que entendemos possível o questionamento judicial acerca da abusividade e ilegalidade do ato infralegal que impôs a restrição da aplicação da norma aos Contribuintes com base apenas na jurisprudência não consolidada da Corte Superior.
Até a edição do referido parecer normativo, a posição da Prefeitura Paulistana era pacífica no sentido da dedutibilidade, sendo uma situação típica de alteração de critério, que somente poderá afetar os fatos geradores posteriores e desde que haja a correspondente alteração legislativa para lhe dar suporte.
Importante frisar que a tendência natural é no sentido de serem aplicadas tais restrições de dedutibilidade naqueles municípios em que a norma local já previa a indedutibilidade, mas esse não é o caso de São Paulo, onde nitidamente a Prefeitura está adotando uma postura abusiva contra as empresas construtoras e incorporadoras, tentando forçar a aplicação da nova interpretação sem antes alterar suas próprias normas.
Nossa equipe de Tributário está à disposição para as orientações necessárias a cada caso em concreto.